quinta-feira, 10 de março de 2011

Morreste-nos

ISSUF SANHA, morreu hoje em Dakar, num exílio forçado por uma doença terrível. Havia sido dado como morto há dois dias. Bissau sobressaltou-se. De Dakar, um amigo sossegou-me: "Não morreu. Põe isso no blog".

A última vez que vi o Issuf foi precisamente em Dakar, no mês de junho do ano passado. Fomos visitá-lo ao hotel Teranga. Depois, fomos ao aeroporto buscar a mulher. Acabámos a almoçar no Lagoon 1, consensualmente considerado como o melhor restaurante de Dakar. Rimos. Lembrou-se que tinha sido meu professor - é a verdade.

Conheci o Issuf há mais de vinte anos - era então um dos mais brilhantes professores de matemática. Figura pequena, a pender para o frágil, mas uma cabeça de se lhe tirar o chapéu. Discreto, só se lhe via subir de uma assentada a meia dúzia de degraus do Liceu Kwame N'Krumah. Lá dentro, era o professor Issuf. E que bem que lhe ficava.

Depois, perdemo-nos. Foi cada um para o seu mundo. Revi-o já como ministro - um dos melhores que este país conheceu. Pragmático q.b., reinventou quase tudo. Foi ele quem primeiro organizou o ministério das Finanças. Pô-lo à sua imagem - tanto, tanto, que o FMI e o Banco Mundial já lhe vinham comer às mãos.

Era Deputado da Nação. O respeito que granjeou fez com que, na sua morte, todos se lembrassem dele. O BCEAO pôs um avião à disposição para a transladação dos restos mortais, o Governo cancelou a sua habitual reunião de Conselho de Ministros. No Parlamento, a sessão habitual foi cancelada. Todos se recolheram em memória do governante. Mas, sobretudo, do homem. Vai fazer-nos falta.

Tanto o BM como o FMI, ouviam-no muitíssimo. Foi o ministro mais elogiado de todos os Governos. Mandou formar jovens, e depois recrutou-os para trabalharem com ele. Eles, no entanto, não lhe chegavam aos calcanhares. Um gaba-lhe a capacidade de trabalhar. "Era o primeiro a chegar ao ministério, e por vezes o último a sair. Às vezes ficávamos envergonhados", conta.

Outros apontam-lhe a disciplina. Issuf Sanha era assim. Em Dakar, onde já se encontrava para tratamento, naquele almoço no Lagoon 1, imaginei Issuf Sanha a fazer contas de cabeça ao tempo de vida que lhe restava e ao que ficaria para ser feito. A Guiné-Bissau, hoje, ficou mais pobre. Apagou-se mais uma luz. Issuf Sanha, esse, descansou. A mágoa fica para nós, que ainda cá estamos. Espero que lá na eternidade onde descansa terá luz e perdão. António Aly Silva