terça-feira, 20 de novembro de 2012

Kumba Yalá – o “chefe” balanta


Na noite de 14 de Setembro de 2003, acordaram abruptamente Kumba Yalá para o avisar que estava em marcha um golpe de Estado, face ao qual seria conveniente recolher-se em aposento com melhores condições de segurança. Era um engodo, em que caiu, assim dando origem a um “golpe palaciano” tão bizarro quanto tinha sido o exercício do seu mandato como Presidente da República, iniciado em 17 de Fevereiro de 2000. O quarto para o qual Kumba Yalá aceitou ser levado, alegadamente para sua protecção, foi a seguir trancado, tornando-se numa espécie de refém. De caminho foi formalmente afastado da Presidência.

Os quase três anos que a presidência de Kumba Yalá já levava constituiram uma exibição contínua, no país e no estrangeiro, de excentricidades de que não havia memória. Os partidos da oposição, incluindo o PAIGC, chegaram a pedir a sua destituição ( “impeachment” como então se dizia), invocando razões de insanidade mental – algo de facto presente nos constantes excessos e gafes em que incorria em público (e outros, privados, de que havia ecos). Apesar de “louco”, como ficou conhecido, Kumba Yalá foi toda a vida, incluindo na sua faceta de Presidente, um inato manipulador, movido por fixações de poder, importância e notoriedade (escreveu e publicou um livro de poesia, que a crítica considerou “intragável”, como contribuição para a sua celebrização).

Foi por que detinha um poder no mínimo não negligenciável, que os mentores do “golpe palaciano” que afastou da Presidência, entre os quais o então CEMGFA, General Veríssimo Seabra, optaram pela brandura de simplesmente o “confinar a um quarto”. A sua aguda obsessão pelo poder e o instinto de sobrevivência que revela, constituem a explicação mais abalizada para a argúcia e capacidade que sempre exibiu para se ir adapatando às diferentes circunstâncias da sua vida, sempre que vislumbrou nas mesmas satisfação da sua ambição de poder.

Mudou de identidade, de partido, de religião, de amigos e aliados, etc, mas na lógica de todas as mudanças descortina-se o desígnio de se afirmar/fincar como chefe balanta – na verdade, a fonte principal do poder que de facto tem – apesar de corrído pelo tempo e pelo efeito nefasto de contovérsias que também fazem parte da sua maneira de ser. No balanço do seu consulado presidencial há-de sempre sobressair um lado profundamente negativo – o das clivagens que cavou na sociedade guineense, cuja natureza pluri-étnica foi alterada pela promoção da tribo balanta, em que se aplicou. Dizia, embora nunca o tendo feito em público, que era uma forma de os retirar da marginalização a que tinham sempre estado sujeitos, em especial no tempo de Nino Vieira.

O problema é que, de forma desproporcionada, lhes entregou as Forças Armadas, as magistraturas, os negócios, o funcionalismo, etc. A importância que Kumba Yalá de facto tem e essa outra, ainda maior, que o próprio julga que tem (tão grande que lhe permite afirmar não ter adversários à altura, no seu partido, o PRS, ou mesmo no país), vem sobretudo da imensa legião de protegidos que lhe é grata, o respeita (sempre tratado por senhor doutor) e o considera uma tábua de salvação para conservar o que tem. Por acréscimo, uma outra legião de pessoas comuns, que com ele se identificam, atraídas pelo seu populismo e/ou por verem nele “o chefe”. O problema é que são simplesmente legiões de balantas – o sificiente para minar a já de si precária coesão nacional. AM