terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Koumba


No dia 2 de Julho de 2009, apresentei a minha demissão do cargo de porta-voz da candidatura do Kumba Yalá (uma nomeação que ele próprio assinou, ainda em Marrocos). Foi-me entregue um exemplar, e um outro foi afixado na vitrine da sede do PRS, em Bissau - presumo que o original esteja guardado nos arquivos do partido... Kumba Yalá, em conversa nas horas 'mortas' da campanha referia-se à minha pessoa como «o nosso Mandela». «És, és i nô Mandela». E Kumba sabia bem porque dizia isso. Nós sabemos!!!

Mas queria aqui contar-vos a cena que se seguiu à minha demissão. Os resultados da primeira volta das eleições presidenciais de 2009 foram apresentados no Palace Hotel (hoje, Embaixada da República de Angola na Guiné-Bissau). Boicotei a conferência de imprensa, e fiquei a aguardar o Kumba na casa dele. Eu já sabia ao que ia... Assim que Koumba chegou, gerou-se o aparato do costume. Abriram o portão, descarregaram-se as AK-47 para dentro de casa, e ele disse «Aly, entra» (um pormenor: Koumba vinha sempre receber-me à porta), e fomos entrando. Fui o último a entrar. Deixei que o BALTASAR ALVES CARDOSO, o GASPAR GOMES FERNANDES (já falecido), o PAULO CIRILO CASSAMA, o VITOR PEREIRA e o PEDRO DA COSTA entrassem.

Lá dentro já não havia uma cadeira disponível, de modo que fiquei de pé. E de repente Koumba entra na sala. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, tomei a palavra e disse com convicção: «Presidente, estes cinco bandidos vão estragar a sua campanha», e estendi-lhe a minha demissão. Ele apenas abriu os braços como que perguntando «mas o que se passa aqui?». Era irreversível a minha decisão, e com efeitos imediatos. Disse boa tarde, e saí aliviado da casa do Koumba Yalá.

Fui diretamente para o jornal 'Diário de Bissau'. Bati à porta e entrei. Estava lá o diretor do jornal, o meu bom amigo João de Barros, também militante do PRS e um seu antigo secretário de Estado para a Comunicação Social. Dei-lhe conta do sucedido. Não me admoestou, muito pelo contrário. O João sabia das arbitrariedades todas, e nunca se mostrou de acordo. Foi dos poucos, no PRS, a apontar-lhes as minhas capacidades. E o que acontece a seguir?

Bom, a seguir alguém tocou à porta do jornal. Para o nosso espanto, entram a Sra. ALIMA FERRAGE e uma outra pessoa, que vim a saber depois tratar-se de uma sobrinha do próprio Koumba Yalá. Então, a cena que se seguiu foi surreal. A Alima Ferrage, sem nada dizer, deixou-se cair de joelhos prostrada à minha frente, tirou o lenço da cabeça e, implorando, disse: «Por favor, Ticha, vem, vamos conversar com o Presidente, ele está à tua espera.»

O que lhe respondi - e o João de Barros continua como testemunha - foi: «Diz ao Koumba Yalá que vá para a puta que o pariu!» Não sei se a Alima deu o meu recado... António Aly Silva


P.S.: Sei que é dia 24 de dezembro, véspera de Natal, época em que os palavrões são mais censurados. Façam de conta que estão a ler o último parágrafo deste texto no dia 26. AAS